sábado, 6 de março de 2010

Myotis bechsteinii


Morcego de Bechstein (Por), Murciélago de Bechstein (Es)

Durante os trabalhos de prospecção de abrigos de Quirópteros nas serras do Alvão e Marão, encontrei um edifício abandonado que servia de abrigo a uma “tímida” Coruja-das-torres (Tyto alba), (bem como a umas dezenas de cabras e vacas), com uma considerável quantidade de egagropilas. Numa bela tarde regressei lá com a Hélia, para recolher as ditas, (que ela guarda às centenas em caixas, a fim de serem “exploradas”), e estando nós a procurar entre a "caca" e a terra que cobriam o chão de cimento do edifício, eis que surge uma forma diferente de tudo o resto, no meio de toda aquela confusão, peguei-lhe (com cuidado) e verifiquei que se tratava de um morcego morto, e apesar de não libertar o odor característico dos cadáveres já só era “pele e osso”. O que me chamou a atenção foram as suas grandes orelhas. Entreguei-o ao Paulo para ele o tentar identificar, e depois de ele ter medidos o comprimento das orelhas…… O resto dos caracteres só vieram confirmar de que espécie se tratava…

Identificação:

È um morcego de tamanho médio dentro do género Myotis, com umas notáveis largas e longas orelhas (mais de 18mm), sendo a única espécie com um comprimento de orelha superior a metade do comprimento do seu antebraço e inferior ao comprimento total do mesmo. Estas, quando dobradas para a frente, estendem-se para lá do focinho (projectando-se a mais de 8mm). Apresentam também 9 a 11 pregas transversais e o seu trago em forma de lanceta, atinge cerca de metade do comprimento da orelha. A pelagem dorsal dos adultos pode ser de castanha a castanho-avermelhada, a sua zona ventral apresenta tons que vão do cinzento ao bege claro e a sua face é castanho-avermelhada. As suas asas são curtas e largas, o que lhe proporciona um voo lento e ágil, ideal para caçar entre a vegetação (geralmente 1 a 10m acima do solo). Possui umas patas pequenas e a membrana alar encontra-se inserida junto do último dedo destas. O seu esporão é recto (atingindo cerca de metade da membrana caudal), apresentado por vezes, uma pequena “bainha” de pele. A sua última vértebra caudal é livre.

Espécies semelhantes:

È inconfundível devido às suas orelhas compridas, o seu corpo pequeno e a sua cara mais delgada (“magra”) quando comparado com as restantes espécies do género Myotis. O facto de as suas orelhas se encontrarem separadas na base, é uma característica que permite distinguir esta espécie, das do género Plecotus.

Ecolocalização:

Tem vocalizações muito variadas, adaptando-se ao meio envolvente. Ao nível acústico é uma espécie impossível de distinguir (e identificar), de entre as restantes do seu género. As características das suas vocalizações são semelhantes às de M. daubentonii, apesar de o sonograma de M. bechsteinii não apresentar Amplitude Modulada. A estrutura do seu pulso é “Steep-FM”, isto é, a sua vocalização percorre várias frequências, o que lhe proporciona uma informação mais detalhada sobre a superfície dos objectos (obstáculos) do meio, e permite uma maior eficácia na caça em espaços “cerrados” (copa das árvores; arbustos), uma vez que este geralmente captura as presas directamente do substrato (e. g. folhas). A captura é feita com o auxílio dos sons produzidos pelos movimentos das presas, que detecta facilmente devido às suas grandes orelhas. Os seus pulsos têm uma duração entre 2 e 6ms, com um intervalo entre si inferior a 100ms. Estão compreendidos entre os 100KHz e os 25KHz (frequência de máxima e mínima energia, respectivamente).

Distribuição:

Depósitos fósseis de esqueletos de morcegos com 3000 anos, indicam que esta espécie era mais abundante e distribuída do que na actualidade. A sua distribuição mundial estende-se desde o Oeste e Centro da Europa até ao Centro da Polónia e Ucrânia (Mar Negro) até à Península Balcânica, encontrando-se no seu limite Norte no Sul de Inglaterra e Sul da Suécia (isoladas), sendo mais rara no Sul da Europa, pelo que, nas Penínsulas Ibérica e Itálica os registos são mais escassos. Na Ásia menor, encontra-se em Anatólia na Turquia, Norte do Irão e Cáucaso.

Na Península Ibérica há registos da sua presença na Galiza, Cantábria, Navarra, Aragão, La Rioja, Castela - La Mancha, Castela e Leão, Madrid, Estremadura e Andaluzia, em Espanha; e em Portugal, na Serra de Aire e Candeeiros, Serra de Montejunto, Serra de São Mamede, Serra da Estrela e Serra do Alvão/Marão.

Habitat:

Encontra-se em florestas de folhosas bem desenvolvidas. No Sul da Europa, ocorre normalmente em zonas montanhosas ou em florestas das zonas ribeirinhas. As maiores densidades populacionais foram registadas em Carvalhais e Faiais (Alemanha) com uma grande proporção de árvores velhas. Contudo, também pode ocorrer em florestas de Coníferas. Abriga-se em cavidades no interior das árvores, e mais raramente em edifícios. Na época de hibernação a maioria dos indivíduos parece permanecer nas cavidades arbóreas, podendo também ser encontrado com menos frequência em todo o tipo de cavidades subterrâneas. Hiberna isoladamente (indivíduos solitários).

Reprodução:

As colónias de criação (maternidades) formam-se no início de Abril e são constituídas por 10 a 50 fêmeas, com relações de proximidade entre si (avós, mães e filhas) e mudam de lugar (abrigo) frequentemente. Os nascimentos ocorrem por volta de Junho (tendo uma cria por ninhada), e no fim de Agosto estas colónias dispersam para dar início ao “swarming”, em abrigos subterrâneos, onde ocorre o acasalamento. Os juvenis podem também voar em meados de Agosto. Os machos encontram-se sozinhos durante o Verão.

Alimentação:

A sua alimentação consiste particularmente de artrópodes florestais e uma grande proporção de insectos não voadores. Durante o Verão, as presas preferenciais mudam de acordo com a sua disponibilidade. A sua dieta é assim formada por uma grande quantidade de traças, escaravelhos, e aranhas. Podendo adicionalmente capturar opoliões e centopeias.

Longevidade e mobilidade:

A idade máxima registada é de 21 anos. È uma espécie bastante sedentária, normalmente caçam próximo dos abrigos, cerca de 1km (2,5km no máximo). Os abrigos de hibernação e de Verão, geralmente localizam-se poucos a quilómetros de distância entre si. As distâncias máximas percorridas, registadas por esta espécie são até agora de 73km (Alemanha) e 53,5 (Bélgica).

Dimensões:

Antebraço: 39-47mm; Cabeça-corpo: 43-55mm. Peso médio: 7-10g Fórmula dentária: 2/3, 1/1, 3/3, 3/3 = 38.

Medidas de conservação:

Abandono do uso de pesticidas na silvicultura (florestas). Manutenção de florestas maduras com a presença de árvores velhas e mortas. Evitar a desfragmentação de manchas florestais, através da implementação de estradas e outras estruturas lineares. Proteger os abrigos de reprodução (“swarming”) de modo a manter um elevado fluxo genético entre as populações.

Estatuto de conservação:

De acordo com a IUCN esta espécie tem um estatuto de “Quase ameaçada” (NT), em Portugal (LVVP) apresenta o estatuto de “Em perigo” (EN) e encontra-se nos anexos B-II e B-IV da Directiva Habitats.

Referências e sites:

Álvaro, C., Bekker, H., Bekker, J. P., Boshamer, J., Conde, J., Dekker, J., Martins, F., Mostert, K., Thomassen, E., Willemsen, J. (2009). Mammal survey Serra da Estrela (Portugal). Uitgave van de Veldwerkgroep van de Zoogdiervereniging (VZZ). Arnhem.. ISBN 978-90-79924-14-1.

Braz, L., Gonçalves, H., Barros, P., Travassos, P. (2009). First record of Bechstein’s bat (Myotis bechsteinii Kuhl, 1817) at North of Portugal and new specie for the site of comunitary importance Alvão-Marão. Galemys 21 (1): 71-75pp.

Dietz, C., O. V. Helversen & D. Nill (2009). Bats of Britain, Europe & Northwest Africa. A & C Black Publishers Ltd.

Macdonald D., Barret P. (1999). Mamíferos de Portugal e Europa. Guias FAPAS. Porto. Livro Vermelho de Vertebrados de Portugal

Plano Sectorial Rede Natura 2000

3 comentários:

Paulo Barros disse...

Por falar em Myotis beschsteinii e Corujas-das-torres, o primeiro registo deste Myotis na Estremadura (Espanha), foi feito através de um crânio encontrado numa egagrópilas de Tyto alba.

Francisco Barros disse...

Ou seja, no que respeita a morcegos, ainda não sabemos da "missa" metade...

Luís Braz disse...

Francisco, concordo plenamente, não sabemos realmente o estado das populações de algumas espécies de morcegos no nosso país... Mas os trabalhos de monitorização de morcegos, têm vindo a aumentar (principalmente no âmbito dos EIA) e acredito que num futuro próximo já estejam preenchidas algumas lacunas, e que seja possível, com esse conhecimento, (pelo menos) actualizar o estatuto de conservação de algumas espécies...

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