domingo, 22 de setembro de 2013

Quem disse que os morcegos não vêen!




 Promenor dos olhos de um Morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula)

Os morcegos que existem na nossa fauna usam o sonar (ecolocalização) para navegar em ambientes escuros, outros mamíferos (incluindo morcegos frugívoros) e aves noturnas confiam em outros sentidos tais como a visão, o olfato ou a audição. Do ponto de vista evolutivo a ecolocalização é claramente mais recente do que a visão, sendo que a visão é capaz e transmitir muito mais informação por unidade de tempo do que a ecolocalização, além do que, a informação bio-sonar tem uma resolução angular muito menor em comparação com a informação visual. Alguns estudos demonstraram que os morcegos (os que usam ecolocalização) são capazes de “desligar” a ecolocalização quando têm luz suficiente para navegar. 

Promenor dos olhos de um Morcego-orelhudo-castanho (Plecotus auritus)

Sendo assim, porque é que a maioria dos morcegos (todos da nossa fauna), optaram pela ecolocalização durante o seu desenvolvimento evolutivo?

 Promenor dos olhos de um Morcego de bechstein (Myotis bechsteinii)

A ecolocalização é certamente vantajosa em relação à visão em ambientes extremamente escuros ou na ausência total de luz, como são os abrigos subterrâneos, contudo a maior pate dos morcegos costumam emergir dos sues abrigos imediatamente após o pôr-do-sol em níveis intermédios de luz (1-10 lux). A atividade alimentar dos nossos morcegos ocorre principalmente durante as primeiras horas da noite, onde a luz crepuscular ainda se faz sentir, que coincide como os picos de abundância de insetos. O grau de dependência que os morcegos têm da visão ou da combinação da visão e ecolocalização em ambientes de luz intermédia é mal conhecida, contudo os olhos dos morcegos que usam a ecolocalização (todos da nossa fauna), parecem conferir um maior desempenho sob ambiente e condições de luminosidade característicos do anoitecer.
Estudos recentes, sugerem que entre as duas modalidades sensoriais (visão e ecolocalização), a visão é mais vantajosa para a deteção de objetos de grandes dimensões (e.g. arribas, casa, arvores, etc…) e a ecolocalização é mais vantajosa para a deteção de pequenos objetos, tais como insetos, mesmo quando existe ainda alguma luz.

 Figura adapatada de Boonman et al., 2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O visão-americano



O visão-americano (Mustela vison) é uma espécie assilvestrada na Europa; a sua presença em Portugal deve-se sobretudo ao crescimento das populações da Galiza, originárias de fugas de indivíduos em cativeiro, em explorações de criação de visão para produção de peles. Essas fugas foram tanto acidentais, provocadas também por fenómenos climáticos extremos como algumas cheias nos anos 80 (1), como intencionais, na sequência da ação de supostos grupos de defesa dos animais, nas décadas de 1990 e 2000. A Galiza era no início da década de 1980 a principal região produtora de peles de visão de Espanha, com cerca de 80% do total de fêmeas reprodutoras em cativeiro (1).

  
A primeira referência à espécie em estado selvagem na Galiza, data dos anos 70 (1, 2), sendo que cerca de 1985 havia já diferentes populações estabelecidas em várias bacias hidrográficas, com destaque para a bacia do rio Minho (1, 3). Em Portugal, ainda que a bibliografia faça referências à sua presença sobretudo no litoral (rios Minho, Coura e Lima) (4), o facto é que existem outras populações identificadas, nomeadamente no vale dos rios Tâmega e mais recentemente Cávado. É uma espécie muito associada aos meios aquáticos, mesmo os de pequena dimensão, tendo uma boa capacidade de adaptação também a águas contaminadas. O seu comportamento oportunista levou a registos de ataques a animais domésticos (galinhas e coelhos), ainda que no estado selvagem tenha uma alimentação variada, com predominância na predação de aves, peixes, anfíbios e até micromamíferos (1, 2). A sua capacidade de adaptação é também revelada pela sua presença em meios com habitats ripícolas mais degradados, como seja junto aos meios urbanos.
 


A provar isso mesmo, são as observações frequentes no rio Tâmega perto da cidade de Chaves e até em locais mais a Sul afastados dos cursos de água, por exemplo. No vale do Tâmega as nossas primeiras observações datam de 2007, nas lagoas do Tâmega, zona húmida próxima da fronteira com Espanha. Nos últimos anos têm sido documentadas inúmeras observações (inclusivamente de vários indivíduos juntos -até 6-, o que sugere uma população residente e reprodutora), a maioria das quais curiosamente em pleno dia. Este aspeto parece demonstrar um comportamento confiante e totalmente adaptado e sem evidências de grande pressão, seja pela perseguição do Homem, seja pela concorrência de outros mustelídeos, nomeadamente a lontra. Ainda que alguns autores considerem a sua expansão relativamente lenta, talvez pela competição da lontra (2, 5), a sua expansão é prevista para a grande parte do Norte de Península Ibérica (6).


  Fotos de Miguel Colmonero e Marco Fachada
 Texto da autoria de Marco Fachada
 


(1) SGHN, 1995. Atlas de vertebrados da Galiza. Tomo I, Peixes, Anfíbios, Réptiles e Mamíferos. Sociedade Galega de História Natural. Edición Consello da Cultura Galega, Santiago de Compostela, 327 p.
(2) Castells, A. & Mayo, M., 1993. Guía de los mamíferos en libertad de España y Portugal. Ediciónes Pirámide, Madrid. 470 p.
(3) Mathias, M. (coord.), 1999. Guia dos mamíferos terrestres de Portugal Continental, Açores e Madeira. Instituto de Conservação da Natureza/Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa, Lisboa. 199 p.
(4) Cabral, M.J. (coord.); J. Almeida, P.R. Almeida, T. Delliger, N. Ferrand de Almeida, M.E. Oliveira, J.M. Palmeirim, A.I. Queirós, L. Rogado, M. Santos-Reis (eds.), 2005. Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Instituto da Conservação da Natureza. Lisboa. 659p.
(5)  GEIB, 2006. TOP 20: Las 20 especies exóticas invasoras más dañinas presentes en España. GEIB - Grupo Especialista en Invasiones Biológicas, Serie Técnica N.2. 116 p.
(6) IHOBE, 2009. Diagnosis de la Fauna Exótica Invasora de la Comunidade Autónoma Vasca. IHOBE, Sociedad Pública del Departamento de Medio Ambiente y Ordenación del Territorio del Gobierno Vasco. Bilbao. 165 p.