sexta-feira, 28 de março de 2014

Encontros na Serra do Gerês com a Cabra-montês (Capra pyrenaica)


Corria o ano de 1892 quando foi avistada a última Cabra-montês (subespécie Capra pyrenaica lusitanica) na Serra do Gerês, cento e sete anos depois, em Fevereiro de 1999 foi confirmado o regresso desta espécie ao território português. O seu desaparecimento deveu-se muito provavelmente a uma má gestão cinegética e a caça descontrolada acabou por eliminar o efectivo populacional português. Espanha passou então a ter a exclusividade desta espécie, que nos dias que correm ainda é um troféu de caça muito cobiçado. Uns anos mais tarde, o então presidente da república portuguesa Américo Thomaz pediu, sem sucesso, a Franco alguns exemplares criados em cativeiro, para reintrodução em Portugal.

Em 1992 a Junta da Galiza trouxe 4 machos e 8 fêmeas (desta vez da subespécie C. pyrenaica victoriae) da Reserva Nacional de Caça das Batuecas em Salamanca, para reintrodução da espécie no Parque Nacional de Invernadero. Em 1998 dezoito  (5 machos e 11 fêmeas) dos 70 exemplares que constituíam esse grupo foram transferidos para o Parque natural da Baixa Limia – Serra do Xurés, onde foram colocados em Salgueiros, mesmo junto à fronteira com Portugal. Um casal que posteriormente foi transferido para um cercado na Serra de Santa Eufémia, gerou uma cria com sucesso e acabaram por fugir os 3 desse cercado. Foram estes indivíduos que foram vistos em 1999 do lado português. Mais tarde fugiram alguns exemplares do cercado de Salgueiros para a zona de Pitões das Júnias e em 2000 e 2001 os responsáveis pelo parque galego libertaram 25 exemplares na Serra do Xurés, que vieram incrementar a população selvagem.

Em 2008 estimava-se que a população portuguesa contasse com aproximadamente 300 indivíduos e em 2012 rondasse os 450.

Na última incursão à Serra do Gerês tivemos um encontro imediato com um fato de aproximadamente 80 descendentes dos primeiros exemplares a regressar ao nosso país, que saltavam ligeiros e curiosos sobre os cabeços dos maciços graníticos. Nunca tínhamos visto tantos indivíduos num só grupo. Aparentemente esta espécie, classificada como Criticamente em Perigo em Portugal (por se estimar em 2006 que o seu efetivo populacional é inferior a 50 indivíduos), veio para ficar.






Referências:

Cabral, M. J. (coord.), Almeida, J., Almeida P. R., Dellinger, T., Ferrand de Almeida, N., Oliveira, M. E., Palmeirim, J. M., Queiroz, A. I., Rogado, L., Santos-Reis, M. (Eds) (2006). Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Instituto da Conservação da Natureza. Lisboa. 660pp.



sexta-feira, 21 de março de 2014

Epidalea calamita (sapo-corredor)





Atualmente encontram-se descritas cerca de 4680 espécies de anfíbios no mundo e os Anuros constituem a ordem mais numerosa dos anfíbios, com cerca de 4100 espécies descritas de rãs, relas e sapos. De uma forma geral apresentam um corpo reduzido sem cauda, as patas posteriores são maiores que as anteriores, encontrando-se adaptadas ao salto e durante o estado larvar possuem uma cauda bastante conspícua e um corpo volumoso. Uma das espécies mais comuns de Anuro no nosso território continental é o Epidalea calamita (sapo-corredor, anteriormente designado de Bufo calamita), que ocorre desde o nível do mar até aos 1900 m de altitude, na Serra da Estrela. Está adaptado a uma grande variedade de condições climáticas, ocupando desde regiões montanhosas com elevada precipitação, no Norte do país, a zonas semiáridas, no Sul.



Uma das características distintivas do Epidalea calamita (sapo-corredor) é a orientação horizontal da pupila e a coloração verde da íris.  
O sapo-corredor faz jus ao seu nome comum, contrariamente aos restantes sapos que se deslocam através de saltos, o sapo-corredor desloca-se através de pequenas corridas mais ou menos rápidas. 

 
A sua evolução reprodutiva foi-se especializando à utilização de charcos temporários, à concentração dos acasalamentos e a um ciclo de metamorfótico reduzido, sendo mesmo o anfíbio da nossa fauna a completar este ciclo, que em caso de stress hídrico pode ser realizado em apenas 20-30 dias. Esta evolução permitiu a este anfíbio utilizar corpos de água que por serem temporários, estão menos sujeitos a predadores, reduzindo assim a taxa de mortalidade de ovos e larvas.



O sapo-corredor, tem um aspeto robusto, com 6-9 cm de dimensão, pele rugosa com numerosas verrugas mais ou menos aplanadas podendo variara entre o castanho e o vermelho, a sua coloração dorsal é bastante variável, mas normalmente é com manchas irregulares esverdeadas sobre um fundo esbranquiçado e com um ventre de coloração clara com manchas escuras.



Embora seja uma espécie caracterizada de hábitos crepusculares ou noturnos, podem ser observados com alguma frequência exemplares ativos durante o dia, especialmente com tempo húmido e em zonas mais sombrias, tais como bosques frondosos, entrada de minas e linhas de água encaixadas. Durante o dia refugiam-se em lugares escuros e húmidos, como debaixo de grandes pedras e troncos, fendas, tocas de pequenos roedores, reentrâncias de rochas ou afloramentos rochosos, minas e grutas. São animais com hábitos terrestres cuja ligação à água está limitada ao período reprodutor e desenvolvimento larvar. 

 
Durante a época reprodutiva e aproveitando as águas das chuvas primaveris, o macho abraça fixamente a fêmea sob as axilas (amplexo axilar) e fertiliza os 4000 ovos que ela libertam agrupados num longo e um fino cordão gelatinoso constituído por apenas uma fiada de ovos. Após 5-15 dias da postura eclodem os girinos com 1 a 3 cm de comprimento, a sua metamorfose decorre entre 20 dias a dois meses. A maturidade sexual do sapo-corredor é atingida aos 2 anos e a sua longevidade na natureza normalmente não supera os 5 anos. 
Uma das maiores ameaças desta espécie é sem dúvida a sua morte por atropelamento, principalmente na época de reprodução, altura em que os indivíduos necessitam de se deslocar (podendo percorrer várias centenas de metros) até zonas de reprodução. Entre os seus inimigos naturais incluem-se as cobras de água, víboras e várias aves de rapina (milhafres, tartaranhões, águias, mochos e corujas) e as lontras.


Os adultos alimentam-se essencialmente de escaravelhos, moscas, minhocas e larvas de insetos e as larvas são predominantemente herbívoras e detritívoras.





quarta-feira, 5 de março de 2014

Morcegos e estradas




Tendo em conta que o conhecimento geral da biologia e ecologia de muitas espécies e existentes em Portugal continental é ainda muito escasso, deixo aqui o resumo de um artigo recentemente publicado com o meu singelo trabalho sobre a utilização das passagens inferiores por parte dos morcegos.

 Tipologia das passagens estudadas

Resumo: Com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a utilização das passagens inferiores por parte dos morcegos, desenvolveu-se trabalhos de deteção acústica, captura e prospeção de refúgios em cinco passagens inferiores localizadas ao longo de 8250 metros de estrada, situada no Norte de Portugal em zona rural de uso agrícola e pastoreio. As passagens têm dimensão média de 9 m de largura, 4,25 m de altura e 34 m de comprimento. Os resultados dos registos acústicos e de captura de morcegos com redes, permitiram confirmar a utilização de pelo menos 12 espécies (Pipistrellus pipistrellus, P. kuhlii, P. pygmaeus, Myotis daubentonii, M. escalerai, M. myotis, Nyctalus leisleri, Plecotus austriacus, Rhinolophus ferrumequinum, R. hipposideros, R. mehelyi/R. euryale y Eptesicus serotinus/E. isabellinus). A inspeção e prospeção de abrigos nas 5 passagens inferiores, permitiram constatar a presença de pelo menos 6 espécies (M. daubentonii, M. myotis, N. leisleri, P. austriacus, Eptesicus serotinus/E. isabellinus y Pipistrellus sp), que usaram fissuras do interior das passagens, entre 1,2 e 1,9 cm. Para dimensões de altura (4,2-4,3m) e largura (9) similares, as passagens mais utilizadas foram as de maior comprimento. Estes resultados confirmam a importância que as passagens inferiores têm na conectividade e minimização de impactes das estradas, assim como proporcionarem novos locais de refúgios artificiais para os morcegos. Incentiva-se promover monitorização e estudos ecológicos mais detalhados que aprofundem o conhecimento da utilização dos quirópteros destas estruturas, assim como as suas características físicas e envolventes 

 Myotis daubentonii

 Epstesicus serotinus

 Nyctalus leisleri

Abstract: The main goal of this study was to contribute for the knowledge of the use of under-roads passageways by bats in northern of Portugal. We selected five underpasses in a road stretch of 8.250 m located in a rural agricultural and grazing area. The average dimensions of underpasses were, 9 m wide, 4.25 m high and 34 m deep. The data was obtained through acoustic detection, mist net capture and roost inspection. Acoustic and mist netting results confirm the use of the underpasses by at least 12 species (Pipistrellus pipistrellus, P. kuhlii, P. pygmaeus, Myotis daubentonii, M. escalerai, M. myotis, Nyctalus leisleri, Plecotus austriacus, Rhinolophus ferrumequinum, R. hipposideros, R. mehelyi/R. euryale and Eptesicus serotinus/E. isabellinus). Data from roost inspection in all the underpasses showed the presence of at least six species (M. daubentonii, M. myotis, N. leisleri, P. austriacus, Eptesicus serotinus/E. isabellinus y Pipistrellus sp.), they used fissure within the tunnels of between 1.2 and 1.9 cm. For the same height (4.2-4.3 m) and width (9m), the underpasses most used were the longest. These results stress the importance of underpasses in improving the connectivity and permeability between areas, along with its potential to offer new roosts for bats. We encourage further monitoring and detailed ecological studies to better understand the physical and environmental characteristics that underpin the usage of such structures by bats.

 Pipistrellus pipistrellus

 Plecotus austriacus

Para quem tiver interesse pode descarregar o artigo completo na barra lateral direita deste bolg.

sábado, 1 de março de 2014

Um pigmeu gigante



De entre todos os morcegos, o Pipistrellus pygmaeus (morcego-pigmeu) é o mais pequeno da nossa fauna, pesando em média apenas 4 gramas, em termos de comparação e para quem tenha dificuldade em ter a noção da ordem de grandeza, seria necessário dois morcegos-pigmeus para pesar o equivalente a um saquinho de açúcar.


Os 39ºC de temperatura corporal e os cerca de 1000 batimentos cardíacos por minuto, faz com que este morcego dissipe muita energia, pelo que esta perda de energia tem que ser compensada pela ingestão de muita comida e é aqui que este pigmeu se torna num gigante!

 Pipistrellus pygmaeus (morcego-pigmeu)

Por noite este pequeno morcego, come em média 1.000 insetos (principalmente melgas e mosquitos), se tivermos em conta que o período de atividade é de 10 meses (300 dias), em apenas um ano, um morcego-pigmeu consome aproximadamente 300 mil melgas e mosquitos, multiplicando este número pela esperança de vida média, que é de 15 anos. Um morcego-pigmeus durante a sua vida come cerca de 4,5 milhões de melgas e mosquitos, o equivalente a cerca de 11 quilos de melgas e mosquitos!