sábado, 30 de junho de 2012

Complexo nattereri


 Myotis escalerai
 
Em 1914, no libro “fauna ibérica - Mamíferos”, Ángel Cabrera escreveu “En 1904, observando que todos los ejemplares españoles que me fué dado examinar tenían el patagio inserto junto al tobillo, y no en la base de los dedos como se lee en todas las descripciones del Myotis Nattereri, me atreví á considerarlos como una especie diferente (Myotis Escalerai).”
De facto, após um século da descrição original de Myotis escalerai por Ángel Cabrera, a genética consegui mostrar o que as características morfológicas pareciam ter escondido. As primeiras análises genéticas confirmaram a presença na Península Ibérica de um grupo de Myotis nattereri muito diferentes dos observados no Centro-Norte da Europa, provavelmente correspondente aos Myotis escalerai descritos por Ángel Cabrera em 1904, sendo assim possível reconhecer cientificamente esta espécie.
 Myotis escalerai
 
A genética revelou ainda uma segunda linhagem existente no Norte de Espanha desconhecida até ao momento, esta linhagem diferencia-se do Myotis nattereri e também do Myotis escalerai. Como a todos os desconhecidos foi dado um nome fictício e prático. Myotis spA. Contudo para uma maior complicação, uma terceira linhagem aparecia em Marrocos (Myotis spB).
 Myotis escalerai
 
Desde então tem-se trabalhado no sentido de recolher dados suficientes para esclarecer a diferenciação genética e morfológicas destas 4 espécies. Para duas destas espécies já existe uma descrição taxonómica.
Myotis nattereri foi descrito em 1817 por Kuhl com exemplares procedentes da Alemanha Central. Esta espécie está amplamente distribuída na Europa Central, Setentrional e oriental, contudo até ao momento não foi encontrada na Península Italiana ou Ibérica. 
 Myotis escalerai
 
A descrição do Myotis escalerai feita por Ángel Cabrera em 1904 é válida, já que os exemplares estudados procediam de uma área (Valência) onde apenas se encontra esta espécie. O nome desta espécie pôde ser então resgatado, apos ter sido considerada sinónimo de Myotis nattereri por muitos anos. Contudo as suas características morfológicas, ecológicas e a sua distribuição necessitam de ser estuda á luz dos resultados genéticos.
Diferente é a situação das novas linhagens.

O Myotis spA é a segunda linhagem encontrada na Península Ibérica e o único presente na Península Italiana. Geneticamente é uma espécie mais próxima do Myotis nattereri
O Myotis spB é a única linhagem encontrada na região de Magreb. Genética e morfologicamente é mais próximo do Myotis escalerai. O conhecimento da sua distribuição e estado de conservação é escasso tendo sido considerada uma espécie rara.
Assim, na Península Ibérica ocorrem exemplares de duas das quatro linhagens do complexo nattereri. O Myotis escalerai que está presente em toda a península, enquanto que o Myotis spA está limitado a áreas Setentrionais até ao Norte da Extremadura pelo Ocidente até á Catalunha na costa Oriental.
Além das evidências ecológicas que parecem ter, sendo que o Myotis escalerai é mais frequente em zonas de cotas mais baixas, enquanto que o Myotis spA, ocorre em zonas de maior altitude. Alguns caracteres morfológicos também permitem distinguir os dois principais grupos (Myotis nattereri/Myotis spA Vs Myotis escalerai/Myotis spB). A característica mais evidente e amplamente comprovada, é a diferença na franja de pelos na margem do uropatágio, a franja ventral interna nos Myotis escalerai e myotis spB apresenta pelos mais longos, mais densos e direcionados para o corpo do animal. Outra característica é o ângulo de inserção do patágio na pata.
 Myotis escalerai

Post escrito com base no artigo:
Saliciini I., Ibáñez C., Juste J. (2012). El complejo Myotis nattereri en Iberia: una larga historia. Barbastella 5 (1) 3-7.

domingo, 17 de junho de 2012

Comportamento colonial do Circus pygargus


O Tartaranhão-caçador pode nidificar solitariamente mas na maioria dos casos, os ninhos estão relativamente próximos, constituindo assim uma colónia ou núcleo de nidificação.
 Colónia de nidificação no planalto do Vilarelho (Alijó)

Deixo aqui o resumo do relatório final de estágio do João Gaiola e para quem tiver curiosidade em ler o relatório completo pode descarrega-lo AQUI
“Em Portugal e segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados, a espécie Tartaranhão-caçador Circus pygargus (L.) é considerada como “Em Perigo” e não existem valores concretos do efectivo populacional em Portugal. O presente estudo surge na perspectiva de contribuir para a caracterização da biologia e ecologia de uma população que ocorre no nordeste de Portugal.
Este estudo foi realizado no Norte de Portugal, numa área com cerca de 6400 há (8 x 8 km), situada no planalto do Alto de Vilarelho (concelho de Alijó), onde se identificou um núcleo de 17 casais dos quais foram acompanhados 14 casais reprodutores. Este núcleo populacional, com um efectivo considerável, ocupou um território bem definido espacialmente e sobre o qual nunca tinha sido realizado qualquer estudo. A área de matos estudada, onde se estabeleceu a colónia de Tartaranhão-caçador é caracterizada sobretudo pela ocorrência predominante de tojo (Ulex minor e Ulex europaeus). Esta característica destaca-se do resto da área de estudo e parece desempenhar um papel importante para a reprodução da espécie, a avaliar pela concentração de casais reprodutores.
No decorrer do trabalho de campo, foram acompanhadas as fases da postura, incubação, eclosão e 1º voo de um total de 53 ovos postos, só 41 eclodiram e, das crias respectivas, apenas 18 se emanciparam com sucesso. Foram também identificados e caracterizados todos os locais de poiso que teve lugar a recolha de indícios da dieta da espécie (egagrópilas e restos de presas).
Durante a campanha de anilhagem foram marcadas com anilhas metálicas e de cor 14 aves juvenis, permitindo assim o reconhecimento individual de cada juvenil.
No cálculo dos parâmetros reprodutivos da colónia de Tartaranhão-caçador, estimou-se em 3,42 crias por ninho a ninhada média da colónia em estudo. Esta mesma população obteve, em termos de sucesso reprodutivo, uma produtividade de 1,29 crias que se emanciparam por casal, valores que se encontram dentro dos limites obtidos em diversos estudos realizado na Península Ibérica.
Nas conclusões do trabalho são propostas algumas medidas para conservação da espécie e gestão de habitat na área de estudo, bem como algumas linhas de investigação futuras que podem contribuir para um melhor conhecimento do comportamento e dinâmica populacional desta ave, para que, de forma efectiva se possa contribuir para a recuperação do Tartaranhão-caçador a nível local e regional.”

domingo, 3 de junho de 2012

Hypsugo savii


Embora tenha uma distribuição ampla e esteja classificado com Pouco Preocupante (LC) pela UICN, o Morcego-de-savi é uma das espécies existente em Portugal com um conhecimento biológico e ecológico escasso, esta falta de informação e conhecimento sobre as questões bio-ecológicas é generalizado pela sua área de distribuição mundial, devendo-se muito pela sua recente diferenciação morfológica e genética.
 Distribuição mundial do Hypsugo savii

Identificação: Espécie originalmente descrita como pertencer ao género Vespertilio, foi posteriormente incluída no género Pipistrellus devido às suas similitudes morfológicas com as espécies deste género, e finalmente no Hypsugo sp. devido a algumas características bioquímicas, morfológicas, nomeadamente a morfologia do pénis e mais recentemente genéticas, que confirmaram tratar-se de uma espécie do género Hypsugo. Morfologicamente é uma espécie de tamanho pequeno e de coloração muito variável. A maioria dos indivíduos apresenta dorsalmente uma pelagem longa de cor castanho ou preto com as pontas douradas ou amareladas, contrastando coma cor branca ou amarelo esbranquiçado que apresenta na zona ventral. Tem orelhas curtas com um trago muito parecido com as dos géneros Pipistrellus e Eptesicus. As partes desprovidas de pelo (cara, orelhas e membranas alares) são de cor preta. As últimas vértebras sobressaem 4-5mm do uropátagio. O pénis (característica distintiva) é pequeno e alarga na parte distal, apresentando uma curvatura angular reta na parte proximal e distal. 
 
 Aspecto geral do Hypsugo savii (cara e orelhas pretas e pelagem com tonalidade dourada)

Espécies similares: As várias características morfológicas distintivas, permitem a sua perfeita identificação, não passível de ser confundida com outras espécies.

Características distintivas (inserção do uropatágio na base do dedo do pé, ultimas vértebras livre)

Ecolocalização: A ecolocalização desta espécie caracteriza-se por ter uma frequência máxima de energia entre 30-35kHz, pulsos (7-8 pulsos/s) longos de frequência constante ou modulada (aproximadamente 8 ms) e intervalo entre pulsos irregular mas superior a 200 ms, apresenta ainda uma maior amplitude no início do pulso
Distribuição: O Hypsugo savii é uma espécie paleártica, ocorrendo deste as Ilhas Canárias, Cabo Verde, NW de África (Marrocos, Argélia e Tunísia) e Europa até aos Balcãs, Cáucaso, Ásia Central (Casaquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, Quirguistão e Tadjiquistão), Médio Oriente (Afeganistão) e Ásia oriental (Norte da Índia e Mianmar). Na Europa, é uma espécie mais ou menos comum nas regiões mediterrânicas e sub-mediterrânicas de Portugal, Espanha e França, ocorrendo de um forma mais esporádica na Suíça, Áustria, Norte da Hungria, assim como no Norte da Crimeia, Bulgária, Republica Checa, Eslováquia, sul da Grécia e nas ilhas mediterrânicas de Chipre e Sardenha. Em Portugal a sua distribuição parece acompanhar as regiões montanhosas do Centro e Norte de Portugal, podendo também ocorrer no Sul mas de um forma mais pontual.
 Distribuição das capturas de Hypsugo savii no Norte e Centro de Portugal

Habitat: Esta espécie pode utilizar áreas deste do nível do mar até aos 3.300m de altitude, preferindo zonas rochosas e/ou montanhosas, contudo pode ainda utilizar uma maior diversidade e habitats, desde vales amplos e sem zonas rochosas a escarpas costeiros e montanhosas, assim como pequenos meios urbanos e habitats constituídos por um mosaico de pastagem, agricultura e matos.
Reprodução: A informação disponível é ainda muito escassa para se poder traçar um perfil reprodutivo. Os poucos registos existem sobre abrigos de criação referem-se a observações realizadas em Itália, onde foram encontradas colónias de criação sob telhas e em juntas de dilatação de edificações.
Alimentação: Caça em voo preferencialmente alto (acima dos 100 m) e em áreas abertas, Lepidópteros, Dípteros, Hemípteros e Neurópteros, podendo mais esporadicamente caçar a baixa altitude (2-3 m).

 Pormenor da cara e orelhas do Hypsugo Savii

Mobilidade: Não existe informação sobre este aspeto biológico, contudo é considerado como espécie sedentária, mas supõem-se que posa realizar deslocações curtas. A distância máxima observada foi de 250 km.
Medidas de conservação: O desconhecimento generalizado da biologia, ecologia e distribuição desta espécie, torna difícil a sua conservação. Deste modo a base de conservação desta espécie deverá assentar num maior conhecimento sobre os aspetos biológicos, ecológicos e de distribuição através da realização de estudos necessários para avaliar tendências e planear medidas efetivas de conservação. De um modo geral as medidas de conservação poderão passar pela proteção de locais propícios ao seu abrigo, o uso racional de pesticidas e de estudos de impacte ambiental e planos de monitorização de grandes infraestruturas (e.g. rodovias, barragens e parque eólicos) devidamente elaborados. Assim como a realização de ações de sensibilização
Dimensões: Os dados de indivíduos capturados no Norte e Centro de Portugal permitiram obter um comprimento médio do antebraço (FA) de 34,35mm e um peso de 7,87g. 
 Aspecto geral do tamanho de um Hypsugo savii

Estatuto de conservação: Esta espécie de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal é classificada como “Informação insuficiente” (DD), não existindo até à data informação adequada para avaliar corretamente o seu estatuto. Esta espécie encontra-se no Anexo BIV da Diretiva Habitat, sendo de interesse comunitário, cuja conservação exige proteção rigorosa. Encontrando-se ainda incluída nos anexos II da Convenção de Berna e Bona

sábado, 2 de junho de 2012

Insetos predadores de répteis


Depois de ter publicado um post sobre um escaravelho predador de anfíbios, desta vez é sobre um insetos predadores de répteis!

Micah N. Scholer e Alejandro Onrubia publicaram recentemente um interessante artigo no Boletim da Associação Herpetológica Espanhola sobre a depredação de Tarantola mauritanica (osga-comum) por Mantis religiosa (Louva-a-deus) na Andaluzia