domingo, 26 de agosto de 2012

O lobo-ibérico (Canis lupus signatus)


Pegada de um lobo-ibérico adulto.
Morfologia
O lobo-ibérico (Canis lupus signatus) assemelha-se em tamanho a um cão pastor alemão, tendo no entanto algumas características particulares que o distiguem deste e de outros cães. Logo à primeira vista sobressai a sua cabeça volumosa e alongada, quando comparada com o resto do corpo. Isto deve-se sobretudo a existência de músculos bastante desenvolvidos a ligarem o crânio e a mandíbula, que permitem a este carnívoro aplicar dentadas poderosas para capturar as suas presas. Possuem orelhas triangulares pontiagudas, relativamente pequenas. Os seus olhos são claros, côr de âmbar ou côr de mel (amarelados) e estão inseridos de forma oblíqua em relação ao seu focinho forte.
Os membros do lobo são largos e musculados e as patas maiores do que as de qualquer cão, mesmo os grandes. Os membros dianteiros são ligeiramente mais altos do que os traseiros, o que confere ao lobo um aspecto muito característico. A cauda é relativamente grande e felpuda, e encontra-se normalmente caída entre as pernas traseiras durante as deslocações do animal. A coloração do lobo-ibérico é um cinzento-acastanhado, sendo mais escura no dorso e mais clara no ventre. Os seus membros dianteiros possuem uma mancha negra longitudinal na região “das canelas”. A zona da face que envolve a boca é branca e estende-se até à garganta. A cauda também é acizentada como o dorso e termina com a ponta negra. Um macho adulto de lobo-ibérico pesa em média cerca de 35kg, havendo no entanto animais que chegam aos 45kg. As fêmeas são um pouco mais pequenas e pesam em média cerca de 30kg. Toda a massa muscular e estrutura do corpo de um lobo são reveladoras de grande força e resistência física, o que lhe permite efectuar longas distâncias durante vários dias consecutivos. Podem percorrer mais de 30 quilómetros em 24 horas, mesmo em zonas de montanha.

Alimentação
O lobo é um animal carnívoro que baseia essencialmente a sua alimentação em animais de médio e grande porte. Os ungulados selvagens são as presas preferenciais do lobo em todo o mundo, estando incluídos nestes os bisontes, os alces, os caribous, os veados, entre outros. Em Portugal, os ungulados selvagens de que se alimenta o lobo são basicamente três: o veado, o corço e o javali. Face da escassez de presas naturais, a alimentação do lobo-ibérico na maior parte do no nosso país basea-se em animais domésticos. A cabra e a ovelha são os animais mais predados pelo lobo, embora também se possam alimentar casualmente de outros animais, tais como bovinos e asininos. O lobo é também um animal oportunista, por isso outros animais podem fazer parte da sua dieta alimentar, como é o caso dos cães que ficam abandonados nas serras, de raposas, de coelhos ou até de aves.
 Aspecto mais comum de um dejecto de lobo-ibérico.

A vida em alcateia
Os lobos são animais sociais, que vivem em grupos familiares organizados em alcateias. As alcateias variam no número de animais, podendo ir normalmente de 2 a 10 lobos na Península Ibérica. No entanto, se o alimento disponível for em grande quantidade, existem alcateias que podem chegar aos 15 indivíduos. Uma alcateia é constituída por um casal reprodutor e pelos seus descendentes, tal qual uma família humana. Aos animais reprodutores dá-se o nome de macho alfa (α) e fêmea alfa (α) e são estes os animais dominantes na alcateia. Os restantes lobos são normalmente filhos do par α de anos anteriores que vão ficando na alcateia. Para além destes animais adultos, existem os lobachos que nascem no próprio ano. Os lobos dominantes são os que decidem as ações vitais do grupo, tais como as zonas onde caçar, as zonas de descanso ou o local de criação. Os restantes lobos, por serem novos e estarem ainda em fase de aprendizagem, ajudam os progenitores na caça, na marcação do território e na criação dos lobachos. Cada alcateia tem um território bem definido onde vive, caça e se reproduz, defendendo-o de outros lobos que queiram entrar e usufruir desse território. Quando os lobos atingem os 2-3 anos de idade têm tendência para dispersarem da alcateia onde vivem e irem à procura de novos territórios e de um par para que possam eles próprios formarem a sua própria alcateia. 
 Cria de lobo-ibérico com apenas alguns meses resgatado de um pastor que o mantinha em cativeiro no início da década 90.

Indícios de presença
Não é normal observar-se um lobo com facilidade quando se passeia pelo campo, mesmo em zonas em que é conhecida a sua presença habitual. Estes animais passam a maior parte do dia descansando escondidos em zonas de vegetação densa ou de difícil acesso e só se tornam mais ativos quando chega o pôr-do-sol. É durante a noite que os lobos se aventuram mais em terrenos abertos, percorrendo vários quilómetros nas serras em busca de alimento ou patrulhando o seu território. Contudo, mesmo sem os ver, é possível sabermos da existência deles numa determinada zona se prestarmos atenção às pistas que eles vão deixando para trás. Os indícios mais visíveis são sem dúvida os dejetos. Uma vez que os sucos gástricos existentes no interior do aparelho digestivo destes carnívoros são bastante poderosos, quase tudo é digerido, sobrando normalmente apenas os pêlos dos animais que eles comeram, alguns fragmentos de ossos e algumas ervas que eles usam como purgante. Assim, o aspeto de um dejeto fresco de lobo assemelha-se bastante a um de cão, mas possui no seu interior grandes quantidades de pêlo. À medida que o tempo vai passando e que o dejecto seca ou que é lavado pelas chuvas, o especto de um dejeto de lobo resume-se a um novêlo de pêlos. Os lobos usam muitas vezes os dejetos como forma de marcação do território, para que saibam da existência uns dos outros. Por isso é normal encontrarem-se dejetos em zonas que sejam bastante visíveis (cruzamentos de caminhos, em cima de tufos de ervas ou no meio dos caminhos se estes forem bem abertos). Outro indício são as pégadas, não obstante a possibilidade de confusão com as pégadas de cães grandes é muito maior do que em relação aos dejetos. Em teoria, as pégadas de um lobo adulto são maiores do que a as pégadas de cães de grande porte. Possuem uma almofada traseira mais larga do que a dos cães e a pegada no seu todo costuma ser alongada (mais comprida do que larga), enquanto que a dos cães costuma ser mais arredondada. 
 Aspecto de um dejecto de lobo-ibérico com ervas 

Aspecto de um dejecto de lobo-ibérico com um par de horas.

Reprodução
Os lobos atingem a maturidade sexual por volta dos cinco anos de idade, mas desde os dois anos que podem reproduzir-se. Normalmente só uma fêmea por alcateia procria (a fêmea alfa), e isto acontece somente uma vez por ano, por alturas da Primavera. No final do Inverno, as fêmeas começam a produzir uns compostos químicos (ferormonas) que indicam aos machos que estão prontas para acasalar. Após um perido de cortejamento o casal afasta-se um pouco do resto da alcateia para procederem à cópula, que só se pode realizar num curto período de cerca de 20 dias. A gestação é de dois meses, durante a maioria dos quais a loba continua a acompanhar o resto do grupo nas suas atividades diárias. Mais perto da altura do parto, a loba deixa a alcateia e procura um local onde possa parir, normalmente escava uma pequena cova em zonas de vegetação muito densa ou aproveita-se de antigas tocas de raposas ou texugos. As lobas dão à luz entre 3 e 6 lobachos durante o mês de Maio. Os locais de criação encontram-se sempre perto de zonas com água, sejam ribeiros, riachos ou nascentes, e mantêm-se de ano para ano se não houverem perturbações. Os lobachos quando nascem são completamente negros, limitando-se a dormir e a alimentarem-se de leite da sua. Nos primeiros tempos de vida a loba não saí do local de criação (para proteção e aquecimento dos lobachos) e são os outros elementos da alcateia que caçam e trazem alimento para a loba alfa. Com um mês de idade os lobachos começam as primeiras explorações em volta do local onde nasceram, deixando de estarem tão dependentes dos cuidados maternais. Cada vez mais vão-se alimentando de comida sólida trazida pelos adultos e o seu crescimento é rápido. Exploram áreas cada vez mais afastadas, têm brincadeiras mais elaboradas com os outros e vão treinando outras formas de comunicação, como por exemplo os uivos. Por volta de Novembro, os lobachos são quase do tamanho dos adultos e deixam o local de criação, juntando-se ao resto da alcateia nos movimentos por todo o seu território, iniciando assim a sua aprendizagem na arte da caça e da sobrevivência.

Onde vive o lobo em Portugal
No início do século XX o lobo ocupava ainda a quase totalidade do território português, distribuindo-se desde o Minho e Trás-os-Montes até às serras do Algarve. Com a crescente humanização e desenvolvimento do país este carnívoro foi perdendo habitat para viver, sendo também vítima de uma grande perseguição por parte do Homem. Hoje em dia ele sobrevive principalmente nas zonas mais montanhosas e de difícil acesso aos humanos. Em Portugal, o lobo divide-se em 2 núcleos aparentemente separados; um maior a norte do rio Douro e outro mais pequeno a sul deste rio. A norte do rio Douro este animal habita a maioria das zonas de serrania. Podemos encontrá-lo desde a serra de Arga no distrito de Viana do Castelo, passando pelas serras da Peneda, Soajo e Gerês na zona do Parque Nacional da Peneda-Gerês, continuando por quase todo o distrito de Vila Real onde se destacam as serras do Alvão, Marão, Falperra e Padrela. Mais para Este, no distrito de Bragança, ele está presente nas serras de Montesinho, Nogueira e Coroa, estendendo-se até às zonas de Miranda do Douro e Mogadouro e ao vale do rio Sabor. A sul do Douro esta espécie distribui-se pelas serras de Montemuro, Lapa, Arada e Leomil e pelas zonas de Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Almeida.
A população portuguesa de lobo-ibérico não está isolada da população espanhola, existindo um contínuo de alcateias, especialmente entre as zonas do Parque Nacional da Peneda-Gerês e a província de Ourense e entre o distrito de Bragança e a província de Zamora. Por outro lado, a sul do rio Douro a população portuguesa parece estar isolada do resto da população ibérica, estando assim mais ameaçada a sua conservação para o futuro.

As principais ameaças
Muito provavelmente a escassez de alimento e em particular as pressas naturais, nomeadamente de corço e veado constitui a maior ameaça do lobo, que faz com que o lobo, na maioria da sua área de distribuição em Portugal, dependa sobretudo dos animais domésticos para se alimentar, provocando assim prejuízos na pecuária. Por outro lado, essa alteração na ecologia da espécie faz depender a sua conservação da manutenção da pecuária extensiva, o que torna particularmente preocupante tendo em conta a regressão da criação de gado em regime extensivo, que se tem vindo a verificar em algumas áreas do país. O lobo é um predador e, como todos os grandes predadores, necessita de amplas áreas onde possa viver, caçar e reproduzir-se. Por todo o mundo os grandes espaços selvagens são cada vez menos e Portugal não foge à regra. O desenvolvimento e as construções humanas retiram cada vez mais espaço livre disponível para o lobo e tornam acessíveis a pessoas e veículos, zonas que antigamente eram praticamente isoladas. Os fogos são um problema para o lobo especialmente porque vão perdendo zonas de refúgio de igual modo com as serras cada vez mais despidas, também as presas selvagens do lobo perdem habitat para viverem, caso dos corços e dos javalis, que necessitam de zonas florestadas para se refugiarem, havendo assim menos disponibilidade alimentar para este carnívoro. A caça (principalmente a ilegal) sempre foi um grande problema para a conservação do lobo. Hoje em dia, não sendo permitida a caça legal deste carnívoro, o furtivismo assume um papel relevante no número de lobos mortos de que se tem conhecimento. Existe um elevado número de lobos que aparecem mortos em armadilhas (laços) que normalmente são dirigidos para capturar ungulados mas onde é frequente caírem outros animais.
O ódio com que as pessoas ficam dos lobos por eles matarem o gado, especialmente pastores ou criadores de gado e não serem devidamente ressarcidos faz com que usem o veneno como método para tentarem exterminar este predador. O veneno é colocado em iscos de carne ou em animais mortos depositados na serra. Estes venenos são extremamente poderosos e não são seletivos, por isso todos os animais que lá vão alimentarem-se morrem. Isto torna-se um perigo, não só para o lobo, como para outras espécies como diversas águias, corvos, gralhas, raposas ou outros pequenos predadores. 
Dois de três subadultos que constituem esta alcateia

Esta foto (gentilmente cedida pelo meu amigo Eric Janssen) foi tirada no dia 2 de Agosto ao final da tarde enquanto fazia-mos uma espera aos lobos durante um Campo de Trabalho Científico.

Nota final
 “In spite of the present human pressure, we conclude that the most important factor for wolf presence in this region is the availability of prey. Human presence has some negative impact on wolves and might even prevent the settlement of wolves in a given area. But this is likely to occur only in regions with uncontrolled killing, particularly high human activities, insufficient hiding conditions (forest and shrub cover) and low food availability. The behavioral plasticity of wolves is the main reason for their survival, despite persecution throughout the centuries in Europe, as well as for their recent range expansion.” (Eggermann et al., 2011)

sábado, 11 de agosto de 2012

De volta às capturas!


Depois de um período sem capturar em Portugal devido ao cumprimento da cláusula imposta pelo ICNB na emissão da licença de captura, que proíbe as capturas entre o período compreendido entre 1 de Junho e 20 de Julho, período coincidente com o período de nascimento e de dependência das crias (ver ultimo parágrafo deste post) e volvido da Galiza onde participei num Campo de Trabalho Científico organizado pela Sociedade de Mamalogia Holandesas e pela Drosera (Associação de Investigação e Conservação do Meio Natural Galego), voltei às sessões de capturas em território Português.

Desta vez decidi rumar até terras de Basto, mais concretamente a Cabeceiras de Basto!

Embora a envolvente não fosse promissora (monocultura de pinheiro-bravo jovem), o ponto de água situado a 760 m de altitude era perfeito para capturar morcegos, pois apresentava as características ótimas (VER ESTE POST).

Após a primeira hora algo sossegada, foi possível capturar quatros espécies diferentes (Plecotus auritus, Eptesicus serotinus, Myotis escalerai e Pipistrellus kuhlii) de um total de 16 indivíduos (mais duas recapturas).







Neste momento as capturas em Portugal estão interditas entre 1 de Junho e 20 de Julho de modo a salvaguardar o período mais sensível da reprodução dos morcegos, contudo e embora este período seja bastante alargado, em Espanha (Galiza a 100km de Portuga) no final de Julho e início de Agosto ainda estavam fêmeas prenhes e os Rhinolophus hipposideros ainda estavam com as crias penduradas no ventre. Aqui em Portugal (Norte), ontem apanhei um Eptesicus serotinus prenhe (que libertei de imediato). Tudo isto para dizer que quando impomos períodos em fenómenos ecológicos que depende fortemente do meio e das condições ambientais podemos ter situações como estas. Estamos em pleno Agosto a ainda temos morcegos em reprodução (pelo menos no Norte), muito provavelmente pelas chuvas e frio tardio que se fez sentir este ano!