Pegada de um lobo-ibérico adulto.
Morfologia
O lobo-ibérico (Canis lupus signatus) assemelha-se em
tamanho a um cão pastor alemão, tendo no entanto algumas características
particulares que o distiguem deste e de outros cães. Logo à primeira vista
sobressai a sua cabeça volumosa e alongada, quando comparada com o resto do
corpo. Isto deve-se sobretudo a existência de músculos bastante desenvolvidos a
ligarem o crânio e a mandíbula, que permitem a este carnívoro aplicar dentadas
poderosas para capturar as suas presas. Possuem orelhas triangulares
pontiagudas, relativamente pequenas. Os seus olhos são claros, côr de âmbar ou
côr de mel (amarelados) e estão inseridos de forma oblíqua em relação ao seu
focinho forte.
Os membros do lobo são largos e
musculados e as patas maiores do que as de qualquer cão, mesmo os grandes. Os
membros dianteiros são ligeiramente mais altos do que os traseiros, o que
confere ao lobo um aspecto muito característico. A cauda é relativamente grande
e felpuda, e encontra-se normalmente caída entre as pernas traseiras durante as
deslocações do animal. A coloração do lobo-ibérico é um cinzento-acastanhado,
sendo mais escura no dorso e mais clara no ventre. Os seus membros dianteiros possuem
uma mancha negra longitudinal na região “das canelas”. A zona da face que
envolve a boca é branca e estende-se até à garganta. A cauda também é
acizentada como o dorso e termina com a ponta negra. Um macho adulto de lobo-ibérico
pesa em média cerca de 35kg, havendo no entanto animais que chegam aos 45kg. As
fêmeas são um pouco mais pequenas e pesam em média cerca de 30kg. Toda a massa
muscular e estrutura do corpo de um lobo são reveladoras de grande força e
resistência física, o que lhe permite efectuar longas distâncias durante vários
dias consecutivos. Podem percorrer mais de 30 quilómetros em 24 horas, mesmo em
zonas de montanha.
Alimentação
O lobo é um animal carnívoro que
baseia essencialmente a sua alimentação em animais de médio e grande porte. Os
ungulados selvagens são as presas preferenciais do lobo em todo o mundo,
estando incluídos nestes os bisontes, os alces, os caribous, os veados, entre
outros. Em Portugal, os ungulados selvagens de que se alimenta o lobo são
basicamente três: o veado, o corço e o javali. Face da escassez de presas
naturais, a alimentação do lobo-ibérico na maior parte do no nosso país basea-se
em animais domésticos. A cabra e a ovelha são os animais mais predados pelo
lobo, embora também se possam alimentar casualmente de outros animais, tais
como bovinos e asininos. O lobo é também um animal oportunista, por isso outros
animais podem fazer parte da sua dieta alimentar, como é o caso dos cães que
ficam abandonados nas serras, de raposas, de coelhos ou até de aves.
Aspecto mais comum de um dejecto de lobo-ibérico.
A vida em alcateia
Os lobos são animais sociais, que
vivem em grupos familiares organizados em alcateias. As alcateias variam no
número de animais, podendo ir normalmente de 2 a 10 lobos na Península Ibérica.
No entanto, se o alimento disponível for em grande quantidade, existem
alcateias que podem chegar aos 15 indivíduos. Uma alcateia é constituída por um
casal reprodutor e pelos seus descendentes, tal qual uma família humana. Aos
animais reprodutores dá-se o nome de macho alfa (α) e fêmea alfa (α) e são
estes os animais dominantes na alcateia. Os restantes lobos são normalmente
filhos do par α de anos anteriores que vão ficando na alcateia. Para além
destes animais adultos, existem os lobachos que nascem no próprio ano. Os lobos
dominantes são os que decidem as ações vitais do grupo, tais como as zonas onde
caçar, as zonas de descanso ou o local de criação. Os restantes lobos, por
serem novos e estarem ainda em fase de aprendizagem, ajudam os progenitores na
caça, na marcação do território e na criação dos lobachos. Cada alcateia tem um
território bem definido onde vive, caça e se reproduz, defendendo-o de outros
lobos que queiram entrar e usufruir desse território. Quando os lobos atingem
os 2-3 anos de idade têm tendência para dispersarem da alcateia onde vivem e
irem à procura de novos territórios e de um par para que possam eles próprios
formarem a sua própria alcateia.
Cria de lobo-ibérico com apenas alguns meses resgatado de um pastor que o mantinha em cativeiro no início da década 90.
Indícios de presença
Não é normal observar-se um lobo
com facilidade quando se passeia pelo campo, mesmo em zonas em que é conhecida
a sua presença habitual. Estes animais passam a maior parte do dia descansando
escondidos em zonas de vegetação densa ou de difícil acesso e só se tornam mais
ativos quando chega o pôr-do-sol. É durante a noite que os lobos se aventuram
mais em terrenos abertos, percorrendo vários quilómetros nas serras em busca de
alimento ou patrulhando o seu território. Contudo, mesmo sem os ver, é possível
sabermos da existência deles numa determinada zona se prestarmos atenção às
pistas que eles vão deixando para trás. Os indícios mais visíveis são sem
dúvida os dejetos. Uma vez que os sucos gástricos existentes no interior do
aparelho digestivo destes carnívoros são bastante poderosos, quase tudo é
digerido, sobrando normalmente apenas os pêlos dos animais que eles comeram,
alguns fragmentos de ossos e algumas ervas que eles usam como purgante. Assim,
o aspeto de um dejeto fresco de lobo assemelha-se bastante a um de cão, mas
possui no seu interior grandes quantidades de pêlo. À medida que o tempo vai
passando e que o dejecto seca ou que é lavado pelas chuvas, o especto de um dejeto
de lobo resume-se a um novêlo de pêlos. Os lobos usam muitas vezes os dejetos
como forma de marcação do território, para que saibam da existência uns dos
outros. Por isso é normal encontrarem-se dejetos em zonas que sejam bastante
visíveis (cruzamentos de caminhos, em cima de tufos de ervas ou no meio dos
caminhos se estes forem bem abertos). Outro indício são as pégadas, não
obstante a possibilidade de confusão com as pégadas de cães grandes é muito
maior do que em relação aos dejetos. Em teoria, as pégadas de um lobo adulto
são maiores do que a as pégadas de cães de grande porte. Possuem uma almofada
traseira mais larga do que a dos cães e a pegada no seu todo costuma ser
alongada (mais comprida do que larga), enquanto que a dos cães costuma ser mais
arredondada.
Aspecto de um dejecto de lobo-ibérico com ervas
Aspecto de um dejecto de lobo-ibérico com um par de horas.
Reprodução
Os lobos atingem a maturidade
sexual por volta dos cinco anos de idade, mas desde os dois anos que podem
reproduzir-se. Normalmente só uma fêmea por alcateia procria (a fêmea alfa), e
isto acontece somente uma vez por ano, por alturas da Primavera. No final do
Inverno, as fêmeas começam a produzir uns compostos químicos (ferormonas) que
indicam aos machos que estão prontas para acasalar. Após um perido de
cortejamento o casal afasta-se um pouco do resto da alcateia para procederem à
cópula, que só se pode realizar num curto período de cerca de 20 dias. A
gestação é de dois meses, durante a maioria dos quais a loba continua a
acompanhar o resto do grupo nas suas atividades diárias. Mais perto da altura
do parto, a loba deixa a alcateia e procura um local onde possa parir, normalmente
escava uma pequena cova em zonas de vegetação muito densa ou aproveita-se de
antigas tocas de raposas ou texugos. As lobas dão à luz entre 3 e 6 lobachos
durante o mês de Maio. Os locais de criação encontram-se sempre perto de zonas
com água, sejam ribeiros, riachos ou nascentes, e mantêm-se de ano para ano se
não houverem perturbações. Os lobachos quando nascem são completamente negros,
limitando-se a dormir e a alimentarem-se de leite da sua. Nos primeiros tempos
de vida a loba não saí do local de criação (para proteção e aquecimento dos
lobachos) e são os outros elementos da alcateia que caçam e trazem alimento
para a loba alfa. Com um mês de idade os lobachos começam as primeiras
explorações em volta do local onde nasceram, deixando de estarem tão
dependentes dos cuidados maternais. Cada vez mais vão-se alimentando de comida
sólida trazida pelos adultos e o seu crescimento é rápido. Exploram áreas cada
vez mais afastadas, têm brincadeiras mais elaboradas com os outros e vão
treinando outras formas de comunicação, como por exemplo os uivos. Por volta de
Novembro, os lobachos são quase do tamanho dos adultos e deixam o local de
criação, juntando-se ao resto da alcateia nos movimentos por todo o seu
território, iniciando assim a sua aprendizagem na arte da caça e da
sobrevivência.
Onde vive o lobo em Portugal
No início do século XX o lobo
ocupava ainda a quase totalidade do território português, distribuindo-se desde
o Minho e Trás-os-Montes até às serras do Algarve. Com a crescente humanização
e desenvolvimento do país este carnívoro foi perdendo habitat para viver, sendo
também vítima de uma grande perseguição por parte do Homem. Hoje em dia ele
sobrevive principalmente nas zonas mais montanhosas e de difícil acesso aos
humanos. Em Portugal, o lobo divide-se em 2 núcleos aparentemente separados; um
maior a norte do rio Douro e outro mais pequeno a sul deste rio. A norte do rio
Douro este animal habita a maioria das zonas de serrania. Podemos encontrá-lo
desde a serra de Arga no distrito de Viana do Castelo, passando pelas serras da
Peneda, Soajo e Gerês na zona do Parque Nacional da Peneda-Gerês, continuando
por quase todo o distrito de Vila Real onde se destacam as serras do Alvão,
Marão, Falperra e Padrela. Mais para Este, no distrito de Bragança, ele está
presente nas serras de Montesinho, Nogueira e Coroa, estendendo-se até às zonas
de Miranda do Douro e Mogadouro e ao vale do rio Sabor. A sul do Douro esta
espécie distribui-se pelas serras de Montemuro, Lapa, Arada e Leomil e pelas
zonas de Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Almeida.
A população portuguesa de
lobo-ibérico não está isolada da população espanhola, existindo um contínuo de
alcateias, especialmente entre as zonas do Parque Nacional da Peneda-Gerês e a
província de Ourense e entre o distrito de Bragança e a província de Zamora.
Por outro lado, a sul do rio Douro a população portuguesa parece estar isolada
do resto da população ibérica, estando assim mais ameaçada a sua conservação
para o futuro.
As principais ameaças
Muito provavelmente a escassez de
alimento e em particular as pressas naturais, nomeadamente de corço e veado constitui
a maior ameaça do lobo, que faz com que o lobo, na maioria da sua área de
distribuição em Portugal, dependa sobretudo dos animais domésticos para se
alimentar, provocando assim prejuízos na pecuária. Por outro lado, essa
alteração na ecologia da espécie faz depender a sua conservação da manutenção
da pecuária extensiva, o que torna particularmente preocupante tendo em conta a
regressão da criação de gado em regime extensivo, que se tem vindo a verificar
em algumas áreas do país. O lobo é um predador e, como todos os grandes
predadores, necessita de amplas áreas onde possa viver, caçar e reproduzir-se.
Por todo o mundo os grandes espaços selvagens são cada vez menos e Portugal não
foge à regra. O desenvolvimento e as construções humanas retiram cada vez mais
espaço livre disponível para o lobo e tornam acessíveis a pessoas e veículos,
zonas que antigamente eram praticamente isoladas. Os fogos são um problema para
o lobo especialmente porque vão perdendo zonas de refúgio de igual modo com as
serras cada vez mais despidas, também as presas selvagens do lobo perdem
habitat para viverem, caso dos corços e dos javalis, que necessitam de zonas
florestadas para se refugiarem, havendo assim menos disponibilidade alimentar
para este carnívoro. A caça (principalmente a ilegal) sempre foi um grande
problema para a conservação do lobo. Hoje em dia, não sendo permitida a caça
legal deste carnívoro, o furtivismo assume um papel relevante no número de
lobos mortos de que se tem conhecimento. Existe um elevado número de lobos que
aparecem mortos em armadilhas (laços) que normalmente são dirigidos para
capturar ungulados mas onde é frequente caírem outros animais.
O ódio com que as pessoas ficam
dos lobos por eles matarem o gado, especialmente pastores ou criadores de gado
e não serem devidamente ressarcidos faz com que usem o veneno como método para
tentarem exterminar este predador. O veneno é colocado em iscos de carne ou em
animais mortos depositados na serra. Estes venenos são extremamente poderosos e
não são seletivos, por isso todos os animais que lá vão alimentarem-se morrem.
Isto torna-se um perigo, não só para o lobo, como para outras espécies como
diversas águias, corvos, gralhas, raposas ou outros pequenos predadores.
Dois de três subadultos que constituem esta alcateia
Esta foto (gentilmente cedida pelo meu amigo Eric Janssen) foi
tirada no dia 2 de Agosto ao final da tarde enquanto fazia-mos uma espera aos
lobos durante um Campo de Trabalho Científico.
Nota final
“In spite of the present human pressure, we conclude that the most
important factor for wolf presence in this region is the availability of prey.
Human presence has some negative impact on wolves and might even prevent the
settlement of wolves in a given area. But this is likely to occur only in
regions with uncontrolled killing, particularly high human activities,
insufficient hiding conditions (forest and shrub cover) and low food availability.
The behavioral plasticity of wolves is the main reason for their survival,
despite persecution throughout the centuries in Europe, as well as for their
recent range expansion.” (Eggermann
et al., 2011)
13 comentários:
Gostei muito deste artigo! :-) Tenho esperança de um dia ver, ainda que fugazmente, um lobo ibérico...
achas que existe alguma possibilidade, por mais que remota, de encontrar um lobo na serra do caramulo?
pedrosplit@iol.pt
Cara Pedro,
Embora tenha participado no Censo Nacional de Lobo e tenha realizado trabalho de campo de outros descritores na Serra do Caramulo há um par de anos atrás, nunca vi qualquer indício da sua presença. Contudo, em caso de expansão do núcleo Arada e Freita que será certamente para sul, a serra do Caramulo pode desempenhar um papel fundamental na conservação desta espécie, pois tem condições propícias à sua presença.
Paulo Barros
Muito útil =)
muito boa noite, aqui onde vivo em ribeira de pena tem sido vistos alguns lobos, por uma questão de proteção nao divulgarei os locais exatos.
gostaria de saber que informação tem sobre esta area relativa ao lobo iberico
joao lima
joaomrl@hotmail.com
Caro João,
A zona de Ribeira de Pena nomeadamente as serras circundantes deste Concelho sempre foram locais de alcateias estaveis e o avistamento de lobos nesta zona é não difícil.
Poderá ler este documento http://www.icnf.pt/portal/naturaclas/patrinatur/resource/docs/Mam/rel-lobo/view que poderá ser do seu agrado.
Com os melhres cumprimentos,
Paulo Barros
31/12/2015 21H00 Serra do Marão - estrada de acesso à Sra. da Serra. Avistei um lobo (fêmea ou macho jovem, de pelagem escura no dorso superior e mais clara junto à cauda) que se precipitou no interior da floresta.
01/12/2015 08H00 Sensivelmente a 500mts de onde avistara o lobo, um veado jovem a alimentar-se na beira da estrada.
A vegetação floresce, os herbívoros reproduzem e o carnívoros têm alimento. Cadeia a funcionar na perfeição. Eu era o único intruso!
Onde disse 01/12/2015 era, claro, 01/01/2016
Caro Pedro,
Observação interessante, os lobos nesta zona já não eram vistos alguns anos.
Quando se refere a um veado, penso que deveria ter visto um corço (espécies comum nesta serra). Já que não há registos de ocorrência de veado não ocorre nesta serra (seria o primeiro).
Com os melhores cumprimentos,
Paulo Barros
Amigo Paulo Barros,
eu também sou um interessado pelo património faunístico do nosso pais,e gostava de saber a sua opinião acerca do estado de conservação do lobo na zona da serra da arada em São pedro do Sul. Sou um morador deste concelho e costumo andar pela serra e no dia 8/4/2016 avistei uma pegadas que me pareciam ser de lobo. Tirei umas fotografias mas não tenho a certeza se são de lobo ou não. De uns tempos para cá tenho visto mais provas da presença do lobo na serra da arada, mais propriamente na freguesia de Carvalhais- São pedro do sul.
samuel.almeida14534@aesps.pt
Magnifico o seu blog!
Caro Samuel,
Antes de mais muito obrigado por seguir o nosso blog.
Relativamente às pegadas de lobo, olhando individualmente para elas são muito complicado distingui-las de cão, em especial dos cães pastores de grande porte. Por vezes o seu enquadramento e o trilho no seu conjunto poderão dar-nos mais algumas pistas de modo a inclinarmo-nos para cão ou lobo, mas sempre com certas dúvidas, a não ser que haja outros indícios que nos possa ajudar (por exemplo dejectos).
Quanto à presença de lobo na Serra da Arrada, este carnívoro sempre esteve presente na nesta serra, embora já não visite tão assiduamente esta zona como antigamente lembro-me de existirem registo de lobos nas zonas mais latas da Serra (Manhouce, Candal e Cabreiros).
Com os melhores cumprimentos,
Paulo Barros
Caro Paulo Barros,
Sou um apaixonado de animal tracking, não só do lobo mas de outros animais, também. Tenho lido vários livros em inglês e francês, de autores como Luc ChazelLars-Henrik Olsen, Vincent Albouy, Les mosaïques nature publicado pela federação nacional de parques nacionais de França e de Paul Rezendes mas não tenho conhecimento de nenhum em português e nenhum deles fala do Lobo Ibérico. Somente dois que falam do Lince Ibérico. Pelo que percebi o Lobo Ibérico é praticamente idêntico ao Lobo Cinzento (Canis Lupus) ( 30 a 35 kgs podendo chegar a 75kgs)
Poderia-me por favor comunicar as medidas, média, das pegadas, dos dejectos e região(ões) do país do Lobo Ibérico ?
Obrigado
Cordialmente
Nuno
Caro Nuno,
Antes de mais muito obrigado por seguir o nosso blog.
Poderá encontrar informação sobre o solicitado nas inúmeras teses de mestrado, doutoramento e relatórios que poderá encontrar nos repositórios académicos.
Para tal basta pesquisar no motor de busca "canis lupus signatus repositório".
Com os melhores cumprimentos,
Paulo Barros
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