Junto à fronteira espanhola, uma
velha linha de comboio jaz no fundo dos vales do Rio Águeda, esquecida e
desgastada pela passagem do tempo, liga Barca d’Alva à pequena aldeia espanhola
Fregeneda. Este pequeno troço de 17 km, faz parte da Linha Internacional de
Pocinho a La Fuente de San Esteban; é uma via-férrea em bitola ibérica que liga
o término da Linha do Douro, no nordeste de Portugal, à rede ferroviária
Espanhola. Até ao encerramento deste troço, em 1985, existiam regularmente
comboios de mercadorias e de passageiros entre Porto e Salamanca.
Os trabalhos de construção deste
troço foram iniciados em 1882 e concluída em 1887. O troço entre Barca d’Alva e
La Fregeneda, constituindo uma formidável obra de engenharia, foi dos mais
difíceis construção sendo uma autêntica via alpina com curvas de raio mínimo de
300 m e rampas de 21%, tendo em apenas 17 km de linha-férrea 13 pontes
metálicas e 20 túneis, é um dos percursos mais emblemáticos desta região e
apetecível quer por Portuguese quer por Espanhóis.
Esta nossa expedição começou às
8:30 da manhã na estação de Fregeneda e logo após 100m entramos no túnel n.º1, avistava-se
um pequena luz ao fundo do túnel e andamos, andamos, tornamos a andar, olhamos
para trás e a luz da entrada ainda era maior do que a luz da saída (sinal que
ainda não tínhamos percorrido metade do túnel), continuamos a andar e a
tropeçar em alguns morcegos (morcego-de-ferradura-grande e morcego-de-ferradura-pequeno),
até que ao final de 1,5 Km dentro do túnel vimos a luz do dia.
Mal saídos do túnel n.º1 os rastos
de raposa, gineta e fuinha, sucedem-se mais ou menos constantes ao longo de
todo o percurso. Tendo sempre como companhia a paisagem de vales cobertos de
zimbro e azinheiras, com esporádicas fragas de granito.
À saída do túnel n.º2, 8 grifos
sobrevoavam sobre nós em círculos de forma despreocupada como é típico destes
necrófagos, mais ao longe por de trás de um cabeço, surge um Falcão-peregrino,
que depois de nos sentir desapareceu na imensidão do vale, mais à frente uns
metros, eis que surgem os primeiros Melro-azul! Atraídos por um cantar
melódico, foi possível observar uma toutinegra-de-bigodes.
O túnel n.º3, embora mais curto
que o primeiro, a sua curvatura, permite ter condições de luminosidade e
climatéricas (mais estáveis), mais propícias para os morcegos, visto que aqui
se encontra um número muito significativo (na ordem das várias centenas ou
mesmo um par de milhares) de morcegos constituída maioritariamente por Myotis grandes, mais esparsas podem ser observadas pequenas agrupações de morcego-de-ferradura-grande
ou indivíduos isolados de morcego-de-ferradura-pequeno.
Presença constante
nos tuneis é a andorinha-das-rochas, que à entrada e saída de cada túnel faz os
seus ninhos! A segurança dos túneis é também aproveitada por outras aves, nas
pequenas escarpas à saída e entrada dos mesmos, a presença de dejetos indicia o
local de dormitório de algumas perdizes.
À saída do túnel 4,
no chão encontramos um andorinha-das-rochas, talvez debilitada pela azáfama da
construção do ninho ou alimentação das suas crias. Este túnel é seguido
imediatamente por um viaduto (n.º3) do qual conseguimos observar um ninho de grifo
com uma cria (pelo menos) e a sua progenitora.
Mal tínhamos saído
do túnel n.º5, surgem unas sombras no ar, 4 abutre-do-egipto fizeram-nos permanecer
com os binóculos dos olhos durante alguns minutos, este abutre (o mais pequeno
da nossa fauna) é umas das aves migradoras mais precoces dando-lhe mesmo o nome
popular de “criado do cuco”.
Embora tivéssemos
ido com a preceptiva de observar algumas espécies de répteis, as nossas
observações restringiram-se á lagartixa-do-mato, lagartixa-ibérica e um par de
exemplares de cobras-de-ferradura, que aproveitam o calor da primavera
estrincando-se sobre o metal dos carris.
Já junto ao Túnel
n.º15, numa fugaz aparição, eis que surge a rainha dos céus, uma Águia-real!
As pontes/viadutos
que existem neste troço, além de serem mais complicados de atravessar do que os
tuneis (principalmente para quem tem vertigens!!!!) não apresentam uma
diversidade tão elevada quanto as pontes, mas são importantes locais de
marcação delimites de território de alguns pequenos carnívoros, nomeadamente a
presença de latrinas de gineta.
Uma pequena paragem para
disfrutar da paisagem do rio Águeda e para saborear um delicioso fruto
silvestre, figos-da-india, estes frutos são uma combinação de sabor e textura
entre a pêra, o melão a melancia com uma pitada de toque tropical, mas com uns
pequenos e danados espinhos! Atualmente estes frutos em muitos locais caiem de
maduro sem ninguém os aproveitar a não ser os mamíferos e aves da região.
Já na parte final
do percurso e junto ao Rio Douro foi possível ainda observar uma garça-real e
um par de milhafres-pretos. Após 10 horas de caminha e 17 Km de paços
irregulares (provocado pela travessas da linha férrea e o cascalho) as forças
foram restabelecidas numa esplanada em Barca D’Alva na companhia de um par de
cervejas!
No entanto, o estado de abandono
e degradação de ambas a estações e da própria linha deixa um pouco de angústia,
pois poderia ser recuperada e aproveitada para turismo… Sem dúvida que o
sucesso era garantido.
Um percurso
fantástico, de rara beleza paisagístico e arquitetónico. Um percurso de desafio
às fobias a quem tiver medo do escuro, de morcegos ou de alturas, mas que no fim vai
chegar e dizer que não custou nada e que valeu a pena.
Uma experiência a repetir…
Post escrito pelos
aventureiros, João Gaiola e Paulo Barros